Reflexões sobre o ensino dos valores
Professor Evandro R. Guindani
Professor Evandro R. Guindani
O ser humano é um ser essencialmente valorativo: nós valoramos a realidade e as coisas, a partir de categorias dualistas: melhor/pior; bom/ruim; belo/feio; sucesso/fracasso; pessoa de sucesso e pessoa fracassada.
Quando nascemos nos deparamos com valores estabelecidos. O costume - proveniente da cultura em que nascemos e em que somos educados – já se encarregou de classificar a realidade a partir das categorias
Quando nascemos é como se do nada, nos encontrássemos na torcida de um jogo de futebol que já está no segundo tempo. Nós não escolhemos essa torcida, mas começamos, sem saber porque, a torcer pelo time, vestimos a camisa, e também sem saber, falamos mal do time adversário e dizemos que o nosso time é melhor. Nós não conhecemos e nem presenciamos o nascimento do time e da torcida que fazemos parte, apenas conheceremos por intermédio das pessoas adultas dessa torcida. Se um jogador do time adversário derruba um jogador do meu time, eu vou achar aquilo um absurdo, porem não assisti o primeiro tempo quando esse jogador do meu time agrediu com um soco o mesmo jogador. E essa atitude do jogador adversário foi uma reação bem menor em relação ao que ele sofreu.
Em resumo, quando nascemos e crescemos, a realidade, os valores, nos são apresentados como se sempre tivessem existido, como se fossem naturais. O costume é algo extremamente perigoso, porque ele naturaliza aquilo que não é natural. O costume é uma forma, muitas vezes acrítica e ingênua de se relacionar com a realidade... E aí os membros da torcida onde nascemos nos dizem: “Isso sempre foi assim... Isso é natural... A Vargem Bonita sempre foi assim... Isso ai não adianta, não muda mais".
Quem são os líderes dessa torcida que nascemos? Quem são nossos pais ideológicos? Quem nos fornece “oficialmente” os valores, as verdades? São as instituições e grupos: Igreja, Escola, Família, Mídia, Local de trabalho, amigos.
Estudos sobre a influência da mídia na formação de opinião das pessoas, nos apontam que todos os valores e ideias repassados, são assimilados, apreendidos e absorvidos no momento em que esses valores e ideias são comentados no grupo e legitimados por ele. Quando comentamos com o vizinho, com o colega de trabalho, aquilo que assistimos no jornal ou nas novelas, é neste momento que entra em ação o poder da cultura local. Se o meu vizinho ou amigo confirma, elogia a minha opinião sobre determinada noticia ou atitude de um personagem de novela, aí sim passo encarar a minha opinião como uma opinião verdadeira, ou com fundamento. A isso damos o nome de senso comum. Vamos pensando e agindo a partir das aprovações que recebemos no meio em que vivemos, pois todo mundo quer ser aceito e não rejeitado. Se você questionar ou pensar diferente, vai ouvir aquelas expressões que citamos acima: “Pra que pensar diferente, se todo mundo pensa assim?”
Exemplo desse fenômeno na família é o estimulo à competição, aparência e consumismo. Se um filho seu chega em casa dizendo: “Pai, mãe, meu colega disse que meu tênis é velho”. Se diante disso os pais compram um tênis novo só para o filho se sentir superior ao colega, eles estão estimulando a competição e o consumismo. Então é preciso educar para os valores de que o que conta é o ser e não a aparência. Claro que isso não pode ser um discurso isolado dos pais, mas também da escola.
Heiddeger na obra “O ser e o tempo” coloca duas formas de se viver e existir: Existência banal e autêntica. Banal: Não há diferença entre você e o costume do lugar onde você vive. Autêntica: Você com suas atitudes se diferencia do lugar onde vive, paga-se um preço, porem vive-se uma existência mais profunda, uma vida mais verdadeira com mais sentido.
Como viver uma existência autêntica? Como conseguir questionar e não naturalizar os costumes onde você vive? É preciso olhar a realidade de fora e de forma mais profunda, como? Por meio da reflexão crítica sobre o meio onde vivo, sobre o que penso e o que valorizo. E de que forma esses valores estão me distanciando de mim mesmo e do outro? Os valores que tenho me ajudam a ser um ser humano melhor?
A isso Gramsci deu o nome de práxis – uma pratica problematizada. Como se problematiza algo? Com o novo. Onde buscar o novo? Na teoria, nas experiências diferenciadas, em outras cidades, em outras culturas, em outras religiões, na opinião do outro. Por meio de que? Estudos acadêmicos ou não, filmes, literatura. Valorizar pessoas de cultura diferente, etc...
Questionar: Se eu vivi minha infância, juventude e vida adulta num determinado lugar, eu preciso perguntar: Que lugar é esse? Uma sociedade cristã/católica, ocidental/capitalista, com uma moral e forma de vida, fortemente centrada na tradição e no costume. Basta analisarmos o nível de escolaridade de nossos pais e avós, e veremos que o costume é a principal fonte de verdade...
A aprendizagem moral não se dá mais pelo reconhecimento da autoridade, mas sim pela experiência e pela vivência. O individuo é o centro, a vida e a experiência do conhecimento é o centro. As pessoas somente acreditam e apostam em algo quando fazem a experiência, quando aquilo que elas ouvem, fazem sentido para ela, tem um fundamento racional e emocional.
Os valores (amor, respeito, ética, solidariedade, compreensão) para serem ensinados necessitam, de uma vivencia interior, de uma evolução humana e ética. Essa vivência depende de duas atitudes simultâneas: tomada de consciência, que consiste na auto-crítica, acerca de nossa formação cultural e a humildade para nos colocarmos sempre em relação de igualdade com o outro. As palavras “humano” e “humildade”, provêm do radical latino: humus, que significa: terra. Portanto não é possível “ser humano”, sem “ser humilde”. Ter a consciência de nossa humanidade é termos consciência de que temos origem no “húmus” e estamos sempre com os pés no chão. Quem tira os pés do chão, para colocar os “saltos” do status, da aparência, da imagem, do poder, deixa de ser humano, porque tira os pés da terra, e consequentemente passa a olhar o outro como inferior. O maior e principal dos valores a ser aprendido é a humanidade. Neste valor estão ligados todos os outros: ética, respeito, compreensão...Sejamos simplesmente humanos!
Um fator que precisamos ter claro em cada projeto executado no âmbito educacional, que envolva pais, alunos e comunidade é o lugar onde acontece esse projeto. A educação para os valores precisa ser contextualizada a partir da realidade social, do meio em que vivem os alunos, e das diferentes classes sociais que esses alunos pertencem. Esse olhar é importante para não acharmos que determinados alunos, individualmente são mais educados do que outros. Todo o processo educativo está intimamente ligado às condições sócio econômicas da criança. Essas condições se traduzem em alimentação, condições de moradia como saneamento básico, água encanada, energia elétrica e acesso a bens culturais, bem como condições de renda e escolaridade dos pais. Para tanto, é preciso sempre estarmos atentos aos indicadores sociais desse espaço onde estão nossas crianças, para que o ensino dos valores leve em conta esses determinantes.
O município de Vargem Bonita - SC, por exemplo, de acordo com dados divulgados recentemente, em 2007 ocupava a quarta posição estadual no PIB per capita[1]. Por outro lado, de acordo com dados do PNUD[2], no ano 2000, Vagem Bonita contava com 28,77% de pobres dentro de seu universo populacional, ocupando a posição de número 164 no ranking estadual do IDH (Indice de Desenvolvimento Humano). Essa disparidade entre os indicadores, mesmo que tenham base em anos diferentes, nos trazem um alerta para levantarmos algumas questões que devem fundamentar qualquer proposta pedagógica: Qual o impacto da desigualdade de renda no espaço escolar? Que sociedade queremos com os valores que ensinamos? Se a política é um instrumento de construção coletiva da sociedade, como transformar a “Política”[3] em um valor?
[1] O PIB per capita é o PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas produzidas no país) dividido pelo número de habitantes.
[2] Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
[3] Não seria necessário transformar a política, porém nosso município – assim como a grande maioria do país – confunde política com partidarismo e fanatismo ou politicagem. Aí sim é preciso desconstruir um costume, uma ideia sobre política, arraigada historicamente no município. Política vai muito além de mera disputa de eleições. Política deve ser uma ação coletiva, que se dê a partir de uma intenção: o bem comum. Esse é o grande valor da Política: pensarmos o melhor para o lugar onde vivemos.